Agrotóxicos - O pão nosso de cada dia ameaça gerações futuras: os efeitos de agrotóxicos e do trigo transgênico
Agrotóxicos
O pão nosso de cada dia ameaça gerações futuras: os efeitos de agrotóxicos e do trigo transgênico
Vivemos em tempos tão difíceis que quem consegue garantir o pão de cada dia está tranquilo. Correto? Errado, pois o fato de assegurar o que comer não pode mais ser visto como fator de tranquilidade. Um exemplo é o trigo, grão cultivado há milênios pela humanidade, mas que agora, em função das alterações nas formas de cultivo, pode também apresentar riscos à saúde. O agrônomo e professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Rubens Onofre Nodari observa que desde que se passou a usar alta tecnologia para produção, o trigo tem sido afetado especialmente pelos efeitos de agrotóxicos. “As empresas oferecem tecnologias; antigamente elas vendiam um produto, mas hoje vendem tecnologia. Mas o que são essas tecnologias? A primeira delas são os agrotóxicos”, observa.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Nodari explica que há pelo menos três momentos em que os agrotóxicos têm entrado na lavoura trigueira. O primeiro é na própria produção, cultivo da planta até a maturação do grão. Depois, na colheita. “Os agricultores insistem em fazer essa dessecação para facilitar a colheita mecânica. Assim, máquinas agrícolas também exigem que os agricultores tomem certas medidas e uma delas é usar novamente agrotóxicos na hora da colheita”, explica. E, por fim, a ameaça do trigo transgênico que, além de ser geneticamente alterado, exige consumo de mais agrotóxicos.
Ele explica que a Argentina, principal exportador de trigo para o Brasil, está desenvolvendo sementes transgênicas especialmente para vender os grãos ao Brasil. E, um detalhe: para vender só para o Brasil, pois lá não devem consumir. “Agora, analise: como vou produzir um produto num país desde que outro país o importe? Por que os argentinos não querem comer esse trigo? Por que quem desenvolveu essa tecnologia não quer vender o trigo na Argentina? Será que é porque não tem aceitação? Será que é porque esse trigo não vai fazer bem para as pessoas?”, questiona.
Toda essa inquietação do professor não é à toa. Pesquisas apontam que os efeitos dos agrotóxicos que chegam aos humanos, via trigo, por exemplo, têm causado muito mais doenças do que se imagina. Além do câncer, há possibilidade de que o grande número de pessoas com doença celíaca esteja associado a isso. “A pergunta é: será que todos os casos de doença celíaca são causados, de fato, pelo glúten, ou pelo resíduo de herbicida que tem na comida? Os sintomas são os mesmos e é muito difícil separar os dois”, aponta. Ainda há relações com doenças como Parkinson e Alzheimer e, recentemente, até a incidência de crianças com autismo. Mães grávidas ou que amamentam seus filhos ainda podem estar levando a eles agrotóxicos que causam desde infertilidade até câncer infantil. “Estamos expondo os não nascidos a esses produtos e isso contraria a nossa Constituição. Não podemos prejudicar a próxima geração; é antiético. Não sei se não seria um crime o que estamos fazendo, de expor os não nascidos a resíduos desses produtos”, dispara o professor.
Confira a entrevista.
Dessecação à base de agrotóxicos
Trigo transgênico da Argentina
Há ainda outro fator: a Argentina desenvolveu um trigo transgênico com a condição de que fosse aprovado naquele país desde que o produto seja exportado para o Brasil. Agora, analise: como vou produzir um produto num país desde que outro país o importe? Por que os argentinos não querem comer esse trigo? Por que quem desenvolveu essa tecnologia não quer vender o trigo na Argentina? Será que é porque não tem aceitação? Será que é porque esse trigo não vai fazer bem para as pessoas? São respostas que ainda não sabemos. Não sabemos por que os argentinos querem cultivar o trigo transgênico desde que o Brasil o importe.
Aqueles que desenvolveram o trigo na Argentina entraram com processo na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio do Brasil para que esse trigo fosse aprovado e esse processo está em tramitação. A CTNBio tem quatro subcomissões e duas delas já aprovaram o trigo transgênico, que é resistente a um herbicida à base de glufosinato de amônio. Esse herbicida é genotóxico, causa anomalias em girinos, ou seja, ambientalmente ele já tem uma ficha que condeno. Tanto é que ele nem tem mais seu uso autorizado na Europa. Se o Brasil autorizar o consumo desse trigo transgênico, nós vamos ter resíduos de agrotóxicos que são muito tóxicos, não só aqueles à base de glifosato, mas também aqueles à base de glufosinato de amônio. Temos uma tecnologia que está na iminência de ser aprovada pela CTNBio e o Brasil passaria a importar trigo transgênico.
O Brasil já importa da Argentina mais ou menos 80% do trigo de que precisa. Ou seja, o Brasil produz cerca da metade do seu consumo, em torno de cinco a seis milhões de toneladas, e importa o restante. Caso o Brasil aprove o consumo desse trigo transgênico, vamos ter um trigo que será produzido na Argentina, provavelmente com resíduos de agrotóxicos na dessecação ou em outra fase da planta, e vamos ter, além daqueles outros 108 resíduos que são usados contra pragas e doenças, mais esses herbicidas. Então, a qualidade da farinha e do grão para a saúde humana vai piorar.
Teoricamente, até então, não poderíamos ter resíduos de herbicidas no grão – são autorizados resíduos de inseticidas, de fungicidas –, mas agora teremos resíduos de outros produtos que anteriormente não eram autorizados. Isso mostra que as tecnologias modernas são uma ameaça à qualidade de um grão que estamos usando há mais de 15 mil anos. No pão, nos biscoitos e nas massas, haverá resíduos de agrotóxicos. Ou seja, essas tecnologias estão prejudicando a qualidade do grão do trigo.
IHU – Quais os tipos de agrotóxicos mais usados na produção e quais seus efeitos na saúde humana?
Rubens Onofre Nodari – No trigo, utilizam-se basicamente inseticidas e fungicidas, por causa dos insetos e pulgões. O trigo também tem muitas doenças, especialmente em regiões onde tem umidade e, nesses casos, são aplicados fungicidas. Na maturação, como falei, são utilizados os herbicidas para a dessecação, que não deveriam ser utilizados. Esses produtos usados no trigo também são utilizados em outros cultivos.
Efeitos na saúde humana
O terceiro grupo de doença dos tempos modernos diz respeito àquelas relacionadas à inflamação dos neurônios, inclusive as neurodegenerativas. Inflamações são causadas principalmente pelos resíduos de agrotóxicos nas comidas de uma forma indireta. Por exemplo, os adultos têm cerca de um ou dois quilos de outras espécies que vivem no nosso sistema gastrintestinal: vírus, bactérias, pequenos organismos unicelulares. Se nos alimentamos de uma dieta diversa e sadia, sem resíduos de agrotóxicos, o microbioma vai ser muito diverso e funcional. Se nos alimentamos com uma dieta que tem muitos resíduos de agrotóxicos, eles podem beneficiar um grupo de espécies menos diverso e funcional.
O que isso tem a ver com as doenças inflamatórias? Tem a ver que o nosso sistema imunológico é também modulado pelo microbioma do sistema gastrintestinal. Então, as pessoas não respondem bem a uma infecção ou inflamação nos neurônios. Por isso que doenças classificadas hoje como depressão ou neurodegenerativas estão muito ligadas à falta de imunidade das pessoas, a qual é decorrente, por sua vez, do mau funcionamento do microbioma, que é danificado pelos resíduos de agrotóxicos. Portanto, trata-se de uma cadeia.
Autismo
Gostaria de falar de outra doença, o autismo. Tem um centro de estudos na Universidade da Califórnia que mostra a ligação de alguns agrotóxicos, principalmente os herbicidas à base de glifosato, com a frequência de crianças autistas. Os EUA estimam que, em breve, 1/3 das crianças vão nascer autistas. No Brasil, não temos uma preocupação muito clara e definida sobre a ligação do uso de agrotóxicos e seus resíduos na comida com a proporção de crianças autistas, que é crescente.
A cada ano, há evidências mais fortes de que doenças como Alzheimer e mal de Parkinson também podem ser facilitadas por resíduos de agrotóxicos, que acabam acelerando a ocorrência dessas doenças em humanos. Eles podem não ser a causa principal, mas contribuem para o quadro ser mais rápido e mais grave.
Essas são doenças que atingem diferentes faixas etárias e de diferentes maneiras: não é que atingem somente um grupo de risco; ao contrário, atingem pessoas que não têm risco nenhum. Os principais danos começam antes de uma criança nascer, porque os ativos de agrotóxicos passam pelo cordão umbilical e, inclusive, as proteínas de genes transgênicos inseridas no milho e na soja produzem toxinas que passam pelo cordão umbilical. O ingrediente ativo glifosato, que é a base dos herbicidas, também passa pelo cordão umbilical. Assim, uma mulher que está grávida e se alimenta continuamente de alimentos que têm resíduos de agrotóxicos, independentemente da dose, terá afetado o desenvolvimento do feto.
Efeitos crônicos
Esses produtos que têm a função de desregulador endócrino vão afetar genes na hora errada: por exemplo, nasce uma menina que em vinte anos não poderá ter filhos, ou nasce uma criança autista. Ou seja, estamos expondo os não nascidos a esses produtos e isso contraria a nossa Constituição. Não podemos prejudicar a próxima geração; é antiético. Não sei se não seria um crime o que estamos fazendo, de expor os não nascidos a resíduos desses produtos.
Como se não bastasse isso, através do leite materno, se a mãe se alimenta com produtos de resíduos de agrotóxicos, a criança continuará sendo exposta a eles. Isso caracteriza os efeitos crônicos, ou seja, a criança vai ser continuamente exposta a resíduos, até um ponto em que hoje nós temos hospitais para tratar crianças com câncer, que era uma doença que dava em pessoas com mais idade. Há 50 anos, antes do uso crescente de agrotóxicos, não víamos pessoas de meia idade ou crianças com câncer na frequência que existe hoje. Claro que existiam também, mas a frequência de crianças e pessoas de meia idade com câncer aumentou muito nos últimos 50 anos, que é o período em que passamos a usar de forma massiva esses produtos.
IHU – Qual a origem e como está a qualidade do trigo consumido no Brasil? E como o país está em termos de produção do grão?
Qualidade do trigo brasileiro
IHU – Então, como a maioria do trigo vem da Argentina, dá para ver a preocupação em torno da liberação desse outro trigo transgênico.
Rubens Onofre Nodari – Exatamente. Existem três setores industriais no Brasil que são agrupados diferentemente em associações, como a Associação Brasileira da Indústria do Trigo – Abitrigo. Publicamente, esses grupos de empresários têm dito que vão começar a importar trigo de outros países. O que pode ocorrer se passarmos a importar trigo de mais longe? Pode ser que o trigo fique ainda mais caro. Não quer dizer que [esse trigo que poderá vir de outros países] não tenha resíduo de agrotóxico, mas não será trigo transgênico.
Já foram desenvolvidas outras variedades de trigo transgênico experimentalmente nos EUA e no Canadá, entretanto os agricultores se negaram a usá-lo. Por isso, nesses países, o trigo transgênico não existe comercialmente. Então, se o setor moageiro importar de outros países, e o frete ficar mais caro, pode ser que o trigo fique mais caro, mas isso vai depender dos valores do mercado. Mas não sei se eles não vão sofrer pressão para importar trigo da Argentina.
HU – Quanto representa a cadeia orgânica do trigo no Brasil hoje?
Rubens Onofre Nodari – Não tenho esses números porque tem muito trigo produzido e vendido localmente nas feiras, nos mercados regionais.
IHU – Como fazer frente a esses riscos e estimular culturas mais orgânicas de trigo?
IHU – Deseja acrescentar algo?
Rubens Onofre Nodari – Gostaria de reforçar que os consumidores comecem a discriminar e a entender as mensagens das indústrias, dos agrônomos e dos técnicos acerca de uma tecnologia que vai produzir mais. Tem que ver o que essa tecnologia vai causar de dano para a nossa saúde e para o meio ambiente, e começar a apostar em alimentos que não prejudiquem nem o meio ambiente nem a nossa saúde.
Créditos MST, publicado originalmente em: https://mst.org.br/2021/09/01/o-pao-nosso-de-cada-dia-ameaca-geracoes-futuras-os-efeitos-de-agrotoxicos-e-do-trigo-transgenico/
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